3.3 Definições

3.3.1 Experimento Aleatório

Definição 3.2 Um experimento aleatório é um procedimento que pode ser realizado infinitas vezes sob as mesmas condições, associado a um conjunto de todos os possíveis resultados (espaço amostral).

3.3.2 Espaço Amostral

Definição 3.3 O espaço amostral é o conjunto de todos os possíveis resultados de um experimento aleatório, simbolizado por \(\Omega\).

Exemplo 3.12 (Espaço amostral finito 1) No caso do experimento aleatório ‘lançar um dado’, o espaço amostral é definido por \[ \Omega = \left\lbrace 1, 2, 3, 4, 5, 6 \right\rbrace. \]

Exercício 3.4 Acesse o link http://a.teall.info/dice/.
a. Descreva o espaço amostral de cada um dos dados individualmente.
b. Descreva o espaço amostral considerando o lançamento de 2 dados de 4 faces (2d4).
c. Descreva o espaço amostral considerando o lançamento de 1 dado de 4 faces (d4) e 1 dado de 6 faces (d6).

Solução: Capítulo 8
\(\\\)

Exemplo 3.13 (Espaço amostral finito 2) O experimento aleatório ‘lançar um dado duas vezes’ equivale a ‘lançar dois dados (com a mesma configuração)’. O espaço amostral é definido por \[ \Omega = \left\lbrace \begin{array}{cccccc} (1,1) & (1,2) & (1,3) & (1,4) & (1,5) & (1,6) \\ (2,1) & (2,2) & (2,3) & (2,4) & (2,5) & (2,6) \\ (3,1) & (3,2) & (3,3) & (3,4) & (3,5) & (3,6) \\ (4,1) & (4,2) & (4,3) & (4,4) & (4,5) & (4,6) \\ (5,1) & (5,2) & (5,3) & (5,4) & (5,5) & (5,6) \\ (6,1) & (6,2) & (6,3) & (6,4) & (6,5) & (6,6) \\ \end{array} \right\rbrace \]

Exemplo 3.14 (Espaço amostral infinito) No Exemplo 2.8, o espaço amostral é definido pelo conjunto não enumerável \(\Omega = \lbrace b \in \mathbb{R} : 0 \le b\le 1 \rbrace\).

3.3.3 Evento

Definição 3.4 Um evento é um subconjunto do espaço amostral.

Exemplo 3.15 (Evento finito) Do Exemplo 3.12 pode-se estar interessado apenas nos resultados pares do lançamento. Assim, o evento ‘face par’ pode ser descrito como \(E = \left\lbrace 2,4,6 \right\rbrace\). Note que \(E \subset \Omega\).
\(\\\)

Definição 3.5 Os eventos \(A\) e \(B\) são mutuamente exclusivos ou disjuntos se \(A\) e \(B\) não podem ocorrer simultaneamente, i.e., \(A \cap B = \emptyset\).

Definição 3.6 Os eventos \(A_1,A_2,\ldots,A_k\) são coletivamente exaustivos se pelo menos um dos eventos deve ocorrer, i.e., \(\cup_{i=1}^{k} A_i=\Omega\).

Exemplo 3.16 Do Exemplo 3.12 podem-se considerar \(E = \left\lbrace 2,4,6 \right\rbrace\) (face par) e \(F = \left\lbrace 1,3,5 \right\rbrace\) (face ímpar). Estes eventos são mutuamente exclusivos pois \(E \cap F = \emptyset\) e coletivamente exaustivos pois \(E \cup F = \Omega\).

3.3.4 Probabilidade

Pode-se atribuir a probabilidade do evento \(A\) como

\[\begin{equation} Pr(A)=\frac{m}{n} \tag{3.20} \end{equation}\]

onde

  • \(m\) é o número de casos favoráveis para o evento \(A\)
  • \(n\) é o número total de casos

A probabilidade frequentista é o limite da Equação (3.20) quando \(n \rightarrow \infty\). Caso a probabilidade do evento \(A\) represente uma expectativa razoável (Cox 1946), um estado de conhecimento (Jaynes 1985) ou a quantificação de uma crença pessoal (De Finetti 1970), chamaremos probabilidade subjetiva.

Exemplo 3.17 (Probabilidade frequentista) Suponha que um dado seja lançado 150 vezes, e observa-se a distribuição dos lançamentos apresentada na tabela a seguir.

Face \(1\) \(2\) \(3\) \(4\) \(5\) \(6\) Total
Frequência \(18\) \(24\) \(34\) \(26\) \(27\) \(21\) \(150\)

Assim, o espaço amostral é \(\Omega = \left\lbrace 1, 2, 3, 4, 5, 6 \right\rbrace\) e podem-se calcular algumas probabilidades tais como \[ Pr(\text{Face 2}) = Pr(\left\lbrace 2 \right\rbrace) = \frac{24}{150} = 0.16 = 16\%\] \[ Pr(\text{Face par}) = Pr(\left\lbrace 2 \right\rbrace \cup \left\lbrace 4 \right\rbrace \cup \left\lbrace 6 \right\rbrace) = \frac{24+26+21}{150} = \frac{71}{150} \approx 0.4733 = 47.33\% \] \[ Pr(\text{Face ímpar}) = 1-Pr(\text{Face par})=1-\frac{71}{150}=\frac{79}{150} \approx 0.5267=52.67\% \] \[ Pr(\text{Face 2 e face 4 e face 6}) = Pr(\left\lbrace 2 \right\rbrace \cap \left\lbrace 4 \right\rbrace \cap \left\lbrace 6 \right\rbrace) = Pr(\emptyset) =0 \]

m <- c(18,24,34,26,27,21)
n <- sum(m)
(p2 <- m[2]/n)
## [1] 0.16
(ppar <- sum(m[c(2,4,6)])/n)
## [1] 0.4733333
(pimpar <- 1-ppar)
## [1] 0.5266667
MASS::fractions(ppar)
## [1] 71/150
MASS::fractions(pimpar)
## [1] 79/150

Exercício 3.5 Veja o vídeo Deadliest Animal Comparison: Probability and Rate of Death do canal Reigarw Comparisons, que apresenta uma comparação dos animais mais mortíferos. Veja também as fontes. Considerando os eventos independentes, calcule a probabilidade de uma pessoa morrer:
a. Atacada por um cachorro.
b. Assassinada por outra pessoa.
c. Picada por um mosquito.
d. Atacada por um cachorro, assassinada por outra pessoa ou picada por um mosquito.
e. Se há aproximadamente 8 bilhões de pessoas no planeta Terra, quantas pessoas espera-se que morram das causas descritas nos itens a, b, c e d?

Solução: Capítulo 8
\(\\\)

3.3.5 Propriedades fundamentais (Axiomas de Kolmogorov)

Para maiores detalhes, recomenda-se (Kolmogorov 1956), (Feller 1968) e (James 2010).

  • P1
    \[\begin{equation} 0 \le Pr(A) \le 1 \tag{3.21} \end{equation}\]
  • P2
    \[\begin{equation} Pr(\Omega)=1 \tag{3.22} \end{equation}\]
  • P3 Se \(A_1\), \(A_2\), …, \(A_k\) são conjuntos disjuntos, então \[\begin{equation} Pr(A_1 \cup A_2 \cup \ldots \cup A_k) = Pr(A_1) + Pr(A_2) + \ldots + Pr(A_k) \tag{3.23} \end{equation}\]

Exercício 3.6 No clássico O Homem que Calculava (Tahan 1938), o protagonista Beremiz Samir resolve um problema em que 35 camelos deveriam ser divididos entre três irmãos na seguinte proporção: o mais velho (\(A\)) ficaria com metade dos camelos, o irmão do meio (\(B\)) com 1/3 e o mais novo (\(C\)) com 1/9.
a. Beremiz Samir solucionou o problema colocando um camelo a mais na divisão, resultando em \(\frac{36}{2} = 18\) camelos para \(A\), \(\frac{36}{3} = 12\) para \(B\) e \(\frac{36}{9} = 4\) para \(C\), restando ainda dois camelos. Explique como isso ocorre. Dica: 35 %% 3. b. Verifique que este problema viola o segundo axioma de Kolmogorov.

Solução: Capítulo 8
\(\\\)

3.3.6 Propriedades secundárias

Das propriedades fundamentais resultam outras, apresentadas sem demonstração:

  • P4 (Complementar)
    \[\begin{equation} Pr(A)=1-Pr(A^C) \tag{3.24} \end{equation}\]

  • P5
    \[\begin{equation} Pr(\emptyset)=0 \tag{3.25} \end{equation}\]

  • P6
    Se \(A\) e \(B\) são dois conjuntos quaisquer, então \[\begin{equation} Pr(A \cup B) = Pr(A) + Pr(B) - Pr(A \cap B) \tag{3.26} \end{equation}\]

  • P7 (Lei de De Morgan 1, Eq. (3.13))
    \[\begin{equation} Pr(\left[ A \cup B \right]^C) = Pr(A^C \cap B^C) \tag{3.27} \end{equation}\]

  • P8 (Lei de De Morgan 2, Eq. (3.14))
    \[\begin{equation} Pr(\left[ A \cap B \right]^C) = Pr(A^C \cup B^C) \tag{3.28} \end{equation}\]

Exercício 3.7 Demonstre as Eq. (3.24) a (3.28).

Solução: Capítulo 8
\(\\\)

Exemplo 3.18 Em um grupo de \(n\) pessoas, \(2 \le n \le 365\), a probabilidade do evento \(A\): ‘pelo menos duas pessoas aniversariarem no mesmo dia e mês’ pode ser calculada pela propriedade do complementar. Considerando um ano de 365 dias equiprováveis como indicado por (Feller 1968, 33) e sem a presença de gêmeos, trigêmeos, etc., a probabilidade do evento \(A^C\): ‘nenhuma pessoa aniversariar no mesmo dia e mês de outra’, é \[\begin{equation} Pr(A^C) = \frac{365}{365} \times \frac{364}{365} \times \frac{363}{365} \times \cdots \times \frac{365-n+1}{365} \tag{3.29} \end{equation}\] Assim, \[\begin{equation} Pr(A) = 1 - \left( \frac{365}{365} \times \frac{364}{365} \times \frac{363}{365} \times \cdots \times \frac{365-n+1}{365} \right) \tag{3.30} \end{equation}\]

aniv <- function(n){
  p <- 1
  for(i in 1:n){
    p <- p*(365-i+1)/365 
  }
  return(1-p)
}
aniv(23)
## [1] 0.5072972
prob <- sapply(1:100, aniv)
plot(1:100, prob, main = 'Pr(A)', xlab = '', las = 1)
points(c(23, 41, 57), c(aniv(23), aniv(41), aniv(57)), pch = 16, col = 'red')
legend(19, 0.55, '(23, 0.5073)', bty = 'n')
legend(35, 0.91, '(41, 0.9032)', bty = 'n')
legend(51, 0.99, '(57, 0.9901)', bty = 'n')

Exercício 3.8 Considere os dados do Exemplo 3.18.
a. Explique em palavras a Eq. (3.29).
b. Mostre que a Equação (3.29) pode ser escrita como \[\begin{equation} Pr(A^c) = \left( 1 - \frac{1}{365} \right) \left(1- \frac{2}{365} \right) \cdots \left( 1- \frac{n-1}{365} \right) \tag{3.31} \end{equation}\] c. Escreva a função aniv2 implementando a Eq. (3.31) e compare com aniv.
d. Assista ao vídeo https://www.youtube.com/watch?v=ofTb57aZHZs, gentilmente sugerido por Pedro Devincenzi Ferreira.
e. Para uma abordagem bayesiana veja (Diaconis and Holmes 2002). \(\\\)

Referências

Cox, Richard T. 1946. “Probability, Frequency and Reasonable Expectation.” American Journal of Physics 14 (1): 1–13. http://www.cs.toronto.edu/~ilya/cox1946.pdf.
De Finetti, Bruno. 1970. “Logical Foundations and Measurement of Subjective Probability.” Acta Psychologica 34: 129–45.
Diaconis, Persi, and Susan Holmes. 2002. A Bayesian peek into Feller volume I.” Sankhyā: The Indian Journal of Statistics, Series A, 820–41. https://www.jstor.org/stable/25051431.
Feller, William. 1968. An Introduction to Probability Theory and Its Applications Volume I, 3rd Ed. John Wiley & Sons, Inc. https://www.ime.usp.br/~fmachado/MAE5709/FellerV1.pdf.
James, B. R. 2010. “Probabilidade: Um Curso Em Nível Intermediário, Coleção Euclides.” Rio de Janeiro. IMPA, 3a. Edição. https://loja.sbm.org.br/index.php/colecoes/impa/colecao-projeto-euclides/probabilidade-um-curso-em-nivel-intermediario.html.
Jaynes, Edwin T. 1985. “Bayesian Methods: General Background.” Maximum Entropy and Bayesian Methods in Applied Statistics, 1–25. https://citeseerx.ist.psu.edu/doc/10.1.1.41.1055.
Kolmogorov, Andreı̆ Nikolaevich. 1956. Foundations of the Theory of Probability. Chelsea Publishing Company. https://archive.org/details/kolmogorov_202112/mode/2up.
Tahan, Malba. 1938. O Homem Que Calculava. 1st ed. Record, Rio de Janeiro - RJ.